Republico texto inserido na edição de hoje do Correio do Brasil, pela relevância do tema e do momento. 

 Luís Carlos Lopes*

 

A intriga e a calúnia continuam a assombrar aos brasileiros. As grandes mídias insistem na desqualificação da presidenta eleita. Foram como abutres aos arquivos oficiais do Estado para conseguir combustível, insistindo na tese de que a eleita é uma ‘criminosa’, não tendo por isto condições e legitimidade para governar. Querem continuar um processo que já foi encerrado.

Agora, o objetivo não é mais de ganhar a eleição. Já perderam. O que desejam é paralisar a eleita, fazendo-a reviver o pesadelo de sua juventude. Lembrar o que ela já foi, obviamente, na versão parcial e difamatória a que estão acostumados. Afinal, o Estado sempre foi ‘pilotado’ por homens que jamais se levantaram contra a simbiose desse com as elites do país.

Lula sempre incomodou por ser um líder operário, grevista, que desafiou a ditadura militar e criou com os sindicatos combativos e a esquerda atomizada do final dos anos setenta, o Partido dos Trabalhadores. Nunca antes, isto havia ocorrido na história do país, cheia de ‘personalidades’ e compromissos com os mesmos de sempre.

A real politik alcançou o PT e o ímpeto mais radical de origem foi contido. Seguiu-se no país uma tendência generalizada no mundo de depois da queda do Muro de Berlim. No atual contexto, os neoliberais tentam de todo jeito ganhar terreno e oprimir mais e mais os trabalhadores. Querem por toda parte que eles paguem a fatura da crise que criaram. As novas oposições populares fazem o que podem para manter conquistas e fazer avançar os direitos dos trabalhadores.

O desenvolvimentismo social-democrático dominou a sigla brasileira no poder. A verdade é que houve progressos imensos no front do combate da miséria. Mas ainda há muito que fazer, tal como a presidenta eleita confirma e se propõe a executar. O problema é se os interesses nacionais e internacionais permitirão mudanças, mesmo que seus prejuízos sejam praticamente inexistentes. Eles querem sempre mais.

Para manter a ordem intacta, eles tentam de tudo. Com uma das mãos acenam com a aceitação da vontade popular, com a outra brandem, por meio das grandes mídias, suas armas preferidas: a intriga e a calúnia. Dilma, mulher e guerrilheira nos anos de chumbo do Brasil, é muito mais do que eles conseguem tolerar. Temem que ela vá além de Lula, fazendo, por exemplo, o que sua colega da Argentina fez. Acabando com a impunidade dos criminosos da época da ditadura, abrindo para valer os arquivos secretos dos militares e dizendo a todos qual é a verdadeira história destas mídias que tanto a difamam.

Dilma nem chegou ao governo e já enfrenta uma onda de acusações. Como nada podem falar do presente, foram buscar no passado lenha para acender suas fogueiras prediletas. Esta visão inquisitorial tem uma triste história no Brasil, desde o passado colonial. Isto só vai acabar quando seus fundamentos socioculturais forem enfrentados em profundidade. Os armários dessa gente têm mais esqueletos do que os ingênuos imaginam. Basta abri-los e deixar entrar a luz purificadora do sol.

Já se disse que a verdade histórica ilumina a democracia. O nazismo foi combatido na Alemanha durante anos, após o seu triste final. A desnazificação construiu a Alemanha atual, uma campanha sistemática que mostrou aos alemães os porões do hitlerismo. O mesmo esforço ainda é feito na Espanha pós-franquista, apesar de muita resistência das viúvas e viúvos do velho ditador.

Por aqui, quase nada falamos sobre os horrores do passado escravista do Brasil. O esquecimento preenche as lacunas da memória nacional. O mesmo foi feito com as excrescências das várias fases republicanas do país. Já se esqueceu da “grande noite” do Estado Novo e da ‘noite de horrores’ da ditadura militar.

A história do país continua sendo ensinada como uma arte do esquecimento. Não chega à maioria das escolas as verdades reais do passado do país. Por isso, é fácil destacar fatos isolados, pinçá-los, sem qualquer escrúpulo e gritar que a Dilma é alguém pouco confiável. Com isto, se quer paralisá-la, impedir sua marcha e conter qualquer ímpeto mais profundo do seu futuro governo. Espera-se que ela não peça desculpas pelo que foi no passado e que aproveite a oportunidade para denunciar os que a agridem.

*Luís Carlos Lopes é professor e escritor