Amigos do blog, li e não resisti. Dado o primor do texto do editorial do semanário “Planeta News”, edição de sexta-feira, 30. Para ler, se deliciar e….refletir.
Conversa de Índio
30/07/10
Kunta Kintê é o jovem cacique da tribo “Boca Grande”. Não foi fácil chegar aonde Kunta chegou. Tem todo um ritual que envolve luta com outros guerreiros, além da destreza e conhecimento de certas armadilhas colocadas como obstáculos para os pretendentes ao posto. Kunta passou por todas. Os outros foram ficando pelo caminho.
Faz algum tempo que Kunta se casou com a jovem e linda Taka, de boa linhagem e tradição indígenas. Depois de nove luas o guerreiro e Taka viram nascer a robusta “curumim” Nika, saudável e esperta.
Como chefe da tribo Kunta Kintê age com mão de ferro. Não divide nada com ninguém e manda como gente grande. A tribo obedece sempre as ordens do grande chefe.
Depois que Nika nasceu, Kunta voltou para ela toda a atenção. De tudo o que a tribo produz Kunta separa parte substancial e vai enchendo o pote da pequena Nika. Um pote enorme que parece sem fundos, pois por mais que Kunta e Taka depositem oferendas há sempre espaço para mais, e mais, e mais. Parece que nada satisfaz Kunta Kintê quando se trata de favorecer sua “curumim” Nika. Alguns da tribo ficam ressabiados, mas ninguém fala nada. Cacique fala, tribo obedece. Cacique exagera na oferenda, tribo finge que não sente. Até que tudo se transforme em costume.
Alguma vez o visitante estranha a situação e pergunta a Kunta Kintê se é normal desviar tanto para a pequena “curumim” diante das múltiplas necessidades da tribo. O jovem cacique, com a calma que a floresta lhe deu, responde: “Homem branco faz pior e abafa mal feito. Inventa moda pra levar vantagem. Faz tudo escondido e fica rico. Cacique pega da tribo e enche o pote da “curumim” mesmo. É a lei da selva”.
Quem vai contrariar Kunta Kintê? Pelo menos o visitante ouviu do índio que homem branco mete a mão no que não é dele. O cacique quis dizer, mesmo, que homem branco é corrupto e fica rico metendo a mão no dinheiro dos outros, sem meias palavras.
O jovem cacique ordenou uma “pajelança” que, como sugere o nome, só pode ser realizada pelo “Pajé”, feiticeiro da tribo. O ritual é para anunciar que o cacique vai cobrar da tribo pelo uso das águas. Do rio.
A “pajelança” é para anunciar aos índios que será cobrado o uso das águas porque o cacique “Kunta Kintê” precisa ajudar o amigo Grande Chefe a conseguir um lugar no Grande Conselho Tribal. Sem ajuda, Grande Amigo nunca chega ao “Grande Conselho”. Tem que encher alguns potes de oferenda para mostrar poder e conseguir ser “Conselheiro Tribal”.
Outro visitante não esconde estranheza também, pois imaginava que o lugar no Grande Conselho Tribal era obtido por méritos entre os melhores e mais sábios guerreiros. Curioso, pergunta a Kunta Kintê se não é impor sacrifícios demais ao cobrar da tribo pelo uso das águas só para favorecer o “Grande Chefe” amigo. Ao invés de responder, o cacique, com a mesma calma de quem vive na floresta, responde: “Homem branco faz pior. Inventa gasto e tira oferenda escondido pra gastar com “Grande Amigo” dele. Até “Kunta Kintê” sabe como chama isso: “caixa dois”. “Tribo de homem branco nem fica sabendo de onde veio tanta oferenda. Índio sabe que “pajelança” pra cobrar água de rio é para “Grande Chefe” amigo ganhar conselho. Homem branco nunca sabe”.
Quem vai contrariar o jovem cacique, que enche o pote da curumim de oferendas e cobra da tribo o uso das águas, dela exigindo enorme sacrifício só para favorecer “Grande Chefe” amigo? Sobretudo porque ele tem a resposta imediata para mostrar que “chefe homem branco faz pior”.
Jovem cacique, forte e sábio, manda também na floresta. Se chega um estranho querendo explorar a riqueza da mata, Kunta Kintê quer logo saber quanto vai sobrar para o pote sem fundo de sua “curumim” e qual a parte que dividirá com a tribo, já sacrificada com a “pajelança” das águas.
E olha que a floresta esconde verdadeiros tesouros, mas o jovem cacique não deixa passar nada. Apenas cuida de repassar para o pote da “curumim” o que ficou estabelecido, destinando uma parte para os potes do “Grande Chefe” amigo que quer ser “Conselheiro Tribal”, além do que gasta para manter a Oca do cacique e os caprichos da linda esposa Taka.
Se alguém perguntar se a tribo está de acordo, o jovem cacique dirá: “Sim, Kunta Kinté mostra para tribo onde oferendas estão indo. Chefe homem branco faz pior, leva oferendas demais e não mostra pra ninguém” Quem ousa contrariar Kunta Kintê?
Até.
Comentários fechados.