Toda vez que alguém quiser fazer um ser humano melhor, associando ciência (o ideal da verdade), educação (o ideal de homem) e política (o ideal de mundo), estamos diante da essência do totalitarismo.
(Luiz Felipe Pondé)

“Você vai sentar por cima/E o DJ vai te pegar/Tu pediu agora toma/Não adianta tu voltar, menina/Agora você vai sentar”. Um tal de Mc Jhowzinho gravou isso, e com certeza é “música” que toca direto em emissoras de rádio, alguns programas de TV e nos bailes da vida apinhados de menores e crianças.

Ou, que tal isso? “Ela veio quente, e hoje eu tô fervendo/Ela veio quente, hoje eu tô fervendo/Quer desafiar, não to entendendo/Mexeu com o R7 vai voltar com a xota ardendo (vai)/Que o Helipa, é baile de favela/Que a Marconi, é baile de favela/E a São Rafael, é baile de favela/E os menor preparado pra foder com a xota dela (o
vai)”.

Que me perdoem os leitores pelo baixo calão dos exemplos, mas é isso que, de repente, seus filhos(as) podem estar ouvindo naqueles fones de ouvido branquinhos que parecem ter se tornado febre nos dias que correm.

É com certeza a isso que a criançada está exposta hoje, a música que a erotiza precocemente e, pasmem, às vezes no próprio pátio da escola ou na festinha de aniversário dos(as) coleguinhas. Ou, então, às muitas novelas e séries de TV, onde a praxe é a desconstrução do estatuto da família.

O comentário acima vem a propósito de um projeto de Lei (5.291/2017), de autoria do vereador Hélio Lisse Júnior (PSD), deliberado na Câmara de Vereadores na noite de ontem. A intenção do edil é “instituir no âmbito do Sistema Municipal de Ensino, proteção às crianças de textos, imagens, vídeos e músicas pornográficas”.

Trata-se de um projeto no mínimo controverso. Dá o que pensar. E este pensar não implica apenas elucubrações de qualquer ordem, mas de formulações de ordem ética, moral e legal. Até constitucional. À primeira vista, beira ao cerceamento da liberdade de ensinar. Beira à intromissão de um poder sobre outro. Do Poder político sobre o poder discricionário da educação.

E o parágrafo segundo do projeto de Lei mergulha a intenção naquilo que pode ser considerada vigilância prévia -para não dizer censura- nas atividades curriculares, ao propor que a cooperação na formação moral de crianças e adolescentes por órgãos ou servidores públicos pode ser efetivada, desde que, “previamente apresentem às famílias o material pedagógico, cartilha ou folder que pretendem apresentar ou ministrar em aula ou atividade”.

Uma pergunta: a proposta, se virar lei, não terá caráter geral, ou seja, não alcançará servidores e professores, ou mesmo material didático das escolas particulares?

E neste aspecto, não comete a insensatez da discriminação social? Porque nos parece ser uma intenção zelosa por demais da proteção aos, digamos, mais pobres, haja vista que gente rica tem mais propensão a cuidar da educação de seus filhos, livrando-os dos perigos demais desta vida?

E o alcance do projeto enseja ainda mais que se pense em um estado de, digamos, vigilância, para o que também virá fazer ou decidir a administração municipal no tocante a patrocínios ou autorizações para eventos. Não se quer um “MAM” em nível municipal? Eis o perigo.

Esta determinação está no artigo 3º do PL, que antes reconhece já existir leis federais que tratam daquilo que está inserido na proposta, e que, salvo engano, sempre foram respeitadas pelos administradores de turno.

Percebe-se que o vereador quer passar por um “pente fino” todo e qualquer material de uso escolar, a fim de apurar se, nele, consta qualquer coisa que lembre sexo, atividade sexual, coisas de homens e de mulheres e até a propaganda externa em outdoors terá que tomar lá seus cuidados. Inclusive as mídias e redes sociais.

Vou reproduzir o parágrafo segundo do artigo 3º: “Considera-se pornográfico ou obsceno áudio, vídeo, imagem, desenho ou texto escrito ou lido cujo conteúdo descreva ou contenha palavrões, imagem erótica ou de órgãos genitais, de relação sexual ou de ato libidinoso.” Perceberam a amplitude da coisa?

Basta então a interpretação de que alguma coisa está enquadrada dentro deste universo do aprendizado para que seja impedida. Mas, no seu parágrafo terceiro do artigo 3º, o projeto de lei admite a apresentação científico-biológica de informações sobre o ser humano e seu sistema reprodutivo, “respeitada a idade apropriada(?)”, de maneira que o mestre não precisará voltar aos tempos da cegonha.

E, para que não haja o descumprimento puro e simples da lei que poderá advir deste projeto, o artigo 6º não deixa por menos, ao explicitar que a violação ao disposto na lei “implicará na imposição de multa de 15% do valor do contrato ou patrocínio e, nos casos de servidor público municipal faltoso, implicará em sanções previstas no Estatuto dos Servidores Públicos Municipais, sem prejuízo das responsabilidades civil, administrativa e criminal”.

E, por fim, fica delegada a “qualquer pessoa jurídica ou física, inclusive pais ou responsáveis”, representar à administração pública municipal e ao Ministério Público “quando houver violação ao disposto nesta lei”. Lembramos que cada um é cada um, cada um professa sua crença em liberdade, e cada crença tem lá suas diatribes quanto a isso ou aquilo.

Imagino o perigo que correrá doravante o servidor público educacional basicamente, os promotores de eventos culturais, musicais e de lazer, os produtores de conteúdos midiáticos, gente da publicidade e provedores de redes sociais. Enfim, os riscos que correrão as liberdades constitucionais, à frente a liberdade de expressão.

Porque esta, é um direito humano protegido pela Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948, e pelas constituições de vários países democráticos.