Amigos do blog, hoje fazendo uma leitura atenta das leis 3.357 e 3.359, que foram publicadas na Imprensa Oficial do Município-IOM, pude medir o teor das preocupações dos vereadores – três apenas – que votaram contra a proposta na Câmara Municipal, na sexta-feira passada.

Nas entrelinhas, tratavam-se de projetos que realmente suscitavam os questionamentos feitos quanto à constitucionalidade de ambos. Projetos aprovados por seis vereadores, dois deles da coalizão (ainda serão?), que votaram a favor e não justificaram a razão. Mas, cada qual com seu galardão…

A primeira lei, dispondo sobre a atualização funcional e organização do Departamento, diz a que veio: transformá-lo em uma empresa, como tanto enfatizou seu superintendente, Walter Trindade, na sessão técnica de segunda-feira da semana passada.

“O Daemo é uma empresa”, ele dizia a toda hora. “O Daemo é uma empresa”. Chegou a dizer que a prefeitura também é uma empresa, mas isso deixa pra lá… A questão, caros amigos, é que até então, os nobres edis tinham razão, e Trindade não: o DAEMO não era uma empresa. Mas agora vai ser.

Reparem bem na lei, aqueles que se dispuserem a lê-la em sua íntegra, e vão se inteirar disso. Observem que todos e os mais plenos poderes estão sendo delegados ao superintendente, cabendo ao prefeito, Chefe do Executivo, apenas homologar, apenas dar legalidade a decisões não tomadas por ele, prefeito.

Portanto, implanta-se naquela ex-autarquia, agora, o sistema de livre empresa. Embora uma livre empresa a ser mantida, única e exclusivamente, com recursos públicos. Provenientes de suas tarifas de serviços, como o fornecimento de água tratada. Uma empresa não na acepção da palavra, mas na força da lei.

É sabido que a livre empresa é aquela “em que há plena liberdade empresarial na indústria e no comércio (no caso, porém, é prestação de serviços), sem outra interferência do Governo, a não ser quanto às normas gerais necessárias à salvaguarda do interesse público (…)”.

Sendo assim, vejamos trechos da decantada lei (sem trocadilho). Ela diz, por exemplo, no inciso IX, do artigo 2º que, entre outras coisas, ao DAEMO compete “(…) Prestar ao prefeito informações sobre assuntos pertinentes aos seus serviços (…)”. Perceberam? Prestar Informações, e não contas!

E no mais, o que cabe ao prefeito nesta nova configuração da autar…oops!, empresa DAEMO, é a nomeação do superintendente geral, e a sua exoneração, se for o caso. Porque até em relação aos preços “a serem propostos” pelos serviços, ao prefeito só caberá assinar os decretos.

E a partir do artigo 3º, que trata da nomeação do superintendente, o prefeito some de cena, só voltando a aparecer no parágrafo 5º do artigo 10, e no artigo 13, o primeiro para fazer aprovar por decreto todo seu organograma de trabalho interno.

O segundo para, da mesma forma, aprovar por decreto o regulamento dos serviços de água, esgotos e o Estatuto da empresa, bem como suas revisões e complementações. E, claro, tudo a ser feito sob a responsabilidade do super superintendente. Áh, o prefeito apacere outra vez na lei: para assiná-la, ao final.

DITADURA DAS MANGUEIRAS

E o que dizer da lei seguinte, a 3.359? Um exemplo bem acabado de totalitarismo. Chega a falar até em ‘Estado de Alerta de Desabastecimento’, para os casos de risco de desabastecimento total ou parcial. Nos 41 anos de existência da autarquia – aliás, completados dia 13 de junho passado – nunca se aventou esta possibilidade, creio eu.

E o que seria “risco de desabastecimento total ou parcial” para embasar um “Estado de Alerta”? A lei não desce a detalhes. E nem diz seu corpo o que deverá fazer o Executivo, no caso em tela: vai mandar todo mundo fechar as torneiras? Obrigar os banhos somente aos sábados? Proibir a lavagem de roupa? Ou de encher as piscinas?

Mais abaixo, no artigo 2º, outra imposição mal-explicada: a fiscalização em toda cidade a fim de constatar a ocorrência de desperdício de água distribuída. Que seria “lavar a calçada com uso contínuo de água”, “molhar ruas continuamente”, “manter torneiras, canos, conexões, válvulas, caixas d’água, reservatórios, tubos ou mangueiras eliminando água continuamente”. Lavar veículos também não pode. Exceto lava-jatos, com certas restrições.

Mas, a pergunta que não quer calar: irão os fiscais do DAEMO visitar casa a casa desta cidade, ultrapassando os limites dos portões para fiscalizar as condições de todos estes equipamentos hídricos que pretende estejam em boas condições de funcionamento?

Pode o município legislar sobre próprios particulares, intra-muros? Ou seja, cada ato relacionado ao consumo de água dentro dos limites de uma residência, empresa ou qualquer outro ente particular, deve o cidadão se reportar à diretoria da mais nova empresa criada na cidade?

Ou, pior, deve sempre o cidadadão pagador de seus impostos temer pela soldadesca zulianista a perscrutar seu quintal? E mais: O artigo 4º da lei permite seja o consumidor ‘processado’ pelo DAEMO, por uma simples ‘suspeita’ de que ele estaria desperdiçando água.

Porque ao mesmo tempo em que autoriza o fiscal a advertir o contribuinte para que a prática não se repita, também autoriza o DAEMO a elaborar um processo administrativo, permitindo a ampla defesa do infrator! Pobre cidadão. A lei não diz se será preciso contratar advogado para a ampla defesa.

Pois é, nestas terras de São João Batista dos Olhos D’Água, o contribuinte paga sua água em dia, tem suas propriedades invadidas pela sujeira e ainda terá que viver sob a paranóia de ser surpreendido por um ‘soldado’ zeloso do precioso líquido. Não parece pesadelo?

E só pra fechar: no seu artigo 9º, a lei institui o ‘Programa Municipal de Conservação e Uso Racional da Água em Edificações. Do artigo 10º ao 13º e incisos, ela detalha no que consiste este programa, e no artigo 14º diz que a participação nele será aberta às ‘instituições públicas e privadas e à comunidade científica, que serão convidadas a participar das discussões e a apresentar sugestões’.

Mas, quando se reúne um grupo de pessoas de diversos segmentos representativos da sociedade, do saber e dos poderes constituídos, não se está formando um conselho, do qual se buscará tirar opinões e sugestões? Se ele é necessário, porque então se suprimiu, na nova lei do DAEMO, o que já estava instituido, há 41 anos?

Isto posto, passar bem!